Os conceitos de acesso e qualidade em saúde estão intimamente relacionados, podendo ser complementares, ainda que não necessariamente de modo simultâneo. A palavra acesso remete a outras, que lhe conferem ou ajudam a conferir significado, tais como: aproximação, chegada, entrada, admissão, alcance. Contudo, no caso específico da saúde pública, tais termos apenas antecipam uma complexidade conceitual que se aperfeiçoa a cada discussão temática. Conforme Travassos, o conceito muitas vezes é “empregado de forma imprecisa, e pouco claro na sua relação com o uso de serviços de saúde. É um conceito que varia entre autores e que muda ao longo de tempo e de acordo com o contexto”.[1]
Muitas vezes o conceito de acesso confunde-se com o de utilização. Utilização aqui não é mero sinônimo de consumo. Utilizar produtos e serviços de saúde, principalmente no contexto público, dissocia-se da relação entre a oferta que busca atender “necessidade de serviços” - necessidade esta muitas vezes induzida, pelo modelo econômico vigente em nossa sociedade - da “necessidade de saúde”, sendo esta última avaliável a partir de conceitos como morbidade, gravidade e urgência da doença. Para Zepeda, “utilização é qualquer contato com o serviço de saúde. Passar desse contato para um serviço regular é nós quem determinamos”.[2] Tal pensamento sintoniza-se com o de Travassos que entende ser os profissionais, em grande parte, os responsáveis por definir “o tipo e a intensidade de recursos consumidos para resolver os problemas de saúde dos pacientes”.[3] Aqui, podemos agregar à utilização o conceito de regularidade.
Abaixo quadro com os possíveis domínios do conceito de acessibilidade, segundo Frenk J.[4]
Para Travassos, “o comportamento do indivíduo é geralmente responsável pelo primeiro contato com os serviços de saúde, e os profissionais de saúde são responsáveis pelos contatos subseqüentes”.[5] Assim o número de contatos, dentro de intervalos tais, que revertam em impactos positivos para a saúde do indivíduo que busca resolver suas necessidades, vai determinar a eficácia do serviço. A eficiência deste vai depender da abrangência e da boa gestão dos recursos, quer sejam humanos, físicos ou financeiros. A otimização destes em saúde implica não restringir-se a fazer “mais”, como, também, em fazer “melhor”, não apenas por imposições de âmbito científico, mas, também, por exigências do usuário. Conforme Goldbaum, “a literatura relaciona a intensidade e o modo de utilização de serviços com o nível de qualidade de vida, com o nível de conhecimento dos indivíduos sobre a saúde e sobre a rede de serviços. Sua capacidade de auto-avaliar seu estado de saúde, assim como suas expectativas e necessidades de atenção, suas práticas de auto-cuidados, a existência de redes alternativas e o relativo grau de autonomia que possuem também colaboram nesta determinação”.[6] Ainda, no que se refere ao conceito de uso, Travassos define que este “compreende todo contato direto – consultas médicas, hospitalizações – ou indireto – realização de exames preventivos e diagnósticos – com os serviços de saúde. O processo de utilização dos serviços de saúde é resultante da interação do comportamento do indivíduo que procura cuidados e do profissional que o conduz dentro do sistema de saúde”.[7]
Tais questões foram debatidas na II Oficina de Acesso na Atenção Primária à Saúde que, a partir da síntese entre as diretrizes da I Oficina e as experiências locais atentando-se, particularmente, aos “nós críticos”, conforme quadro abaixo, sendo que os destaques em itálico foram temas de grupos de discussão:
SÍNTESE ENTRE AS DIRETRIZES DA I OFICINA E AS EXPERIÊNCIAS LOCAIS
Itálico: temas de grupos
INOVAÇÕES | NÓS CRÍTICOS | ÁREAS IMATURAS |
Modelos semelhantes de acesso no CS: - atendimento por área adscrita - atividades colaborativas entre as ESF | Limites das mudanças organizacionais em ESF incompletas / inadequadas e esgotamento profissional | Utilização de critérios de avaliação de risco/vulnerabilidade |
Composição e atuação integrada das equipes de recepção e de primeiro contato - deslocamento das decisões da recepção - atuação dos ACS | Comunicação eficiente para a comunidade sobre as mudanças e sobre formas de acesso às ações e serviços | Forma de acesso da ESB |
Medidas de desburocratização do acesso - demandas administrativas e de continuidade do cuidado (receitas, exames, retornos, atestados) | Inclusão na agenda a partir do acolhimento / Acesso continuado após primeiro atendimento | Necessidades e metodologias de desenvolvimento profissional continuado |
Agenda para demanda espontânea dos médicos e enfermeiros em todos os turnos | Maior participação do enfermeiro na clínica X Demandas administrativas e necessidades de treinamento | Gestão do acesso aberto (agendas, equilíbrio entre tarefas da ESF) |
Escala para escuta qualificada durante todo o funcionamento com profissional de saúde | Formação da equipe de recepção em atenção ao público e compreensão dos fluxos do CS e da SMS | Gestão do cuidado continuado e colaborativo: - estratégias de gerenciamento de casos |
Ampliação / diversificação das possibilidades de contato c/ a ESF: - aumento da freqüência de marcação - grupos de marcação, de exames, outros | Impacto das mudanças no acompanhamento de doentes crônicos e grupos protegidos (crianças, gestantes e idosos) | Adaptações no Infosaúde - senha de administrativo para ACS - procedimento INTERCONSULTA - adaptação a mudanças no SIAB |
Tempos de espera ideais (ESF completa e pop/ESF adequada) - 24h para 1º contato / 7 dias para consulta | Atendimento de pessoas de fora da área (turistas, trabalhadores, área de influência) | Diversificação das formas de agendamento (email, telefone) |
Uso de informações do território e da demanda para programação de ações | Monitoramento da experiência: - visibilidade e apoio técnico e político | |
Rigidez dos profissionais e resistência às mudanças no processo de trabalho |
Para saber mais:
Advanced Access Scheduling Outcomes_Systematic Review.pdf
VIEIRA da Silva, Lígia M. Acessibilidade aos Serviços de Saúde em um município da Bahia.pdf
VIEIRA da Silva, Lígia M. Acessibilidade aos Serviços de Saúde em um município da Bahia.pdf
Cobertura e fotos: Helman Telles
*CD/SMS
[1] TRAVASSOS, C.; MARTINS, M. Uma Revisão Sobre os Conceitos de Acesso e Utilização de Serviços de Saúde. Cad. de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, Sup 2, p. S190-S198, 2004.
[2] ZEPEDA, Jorge. II Oficina de Acesso na Atenção Primária à Saúde, 08-09 de dezembro, 2011.
[3] TRAVASSOS, op. cit.
[4] FRENK J. The concept and measurement of accessibility. Salud Publica Mexico 1985;27:438-53
[5] Idem.
[6] GOLDBAUM, Moisés et ali. Utilização de serviços de saúde em áreas cobertas pelo programa saúde da família (Qualis) no município de São Paulo. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rsp/v39n1/12.pdf. Acessado em 28 de novembro, 2011.
[7] TRAVASSOS, op. cit.
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